A Descoberta dos Açores

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No reinado de D. Dinis (1279-1325) dá-se o grande incremento das trocas comerciais portuguesas com outros países da Europa.
Lisboa, a capital do reino, é uma das mais importantes cidades do comércio europeu, onde se estabelecem mercadores judeus, genoveses e venezianos, holandeses e ingleses. Assim, Lisboa fervilha com trocas não só de produtos comerciais mas também de novas ideias como técnicas bancárias e financeiras, técnicas de navegação e cartográficas. Nesta altura, os genoveses já navegavam pela costa de África, e até já conheciam algumas ilhas do arquipélago das Canárias.



Os Portugueses, o mar e a cartografia


De D. Dinis a D. Afonso VI


Em 1317, D. Dinis nomeia para primeiro Almirante do Reino o navegador e mercador genovês Manoel Pessagno. Pessagno encarrega-se de dirigir todas as construções navais portuguesas e reorganiza a Armada Real com o objectivo de defender a costa portuguesa do ataque de piratas.

Após o surto da peste negra, a fome e o despovoamento, Portugal vira-se para o Atlântico.
Em 1325, D. Afonso IV ordena as primeiras explorações marítimas, com apoio de genoveses, sob o comando de Manoel Pessagno.

Em 1336, os portugueses reivindicam a descoberta das ilhas Canárias.

A partir de 1339 começam a aparecer os primeiros registos cartográficos onde se assinalam ilhas localizadas no Atlântico, como é o caso das Canárias mas também do arquipélago da Madeira e dos Açores.


Portulanos 


As primeiras cartas de marear, também chamadas de Portulanos, feitos em pergaminho, datam da segunda metade do séc. XIII e são provenientes das cidades italianas de Génova e Pisa. Estão centralizadas no mar mediterrâneo. 

A partir de 1339, como dito anteriormente, começam a aparecer portulanos  onde se assinalam ilhas, muitas delas imaginárias,  localizadas no Atlântico:


Angelino Dulcert
Portulano do genoves Angelino Dulcert de 1339
(Foto daqui)

O Portulano do Genovês Angelino Dulcert datado de 1339, apresenta diferenças dos seus congéneres da altura.
Escrito em latim aparece também representado o Norte da Europa e África.
É o primeiro portulano onde se identifica a ilha de Lanzarote "Insula de Lanzarotus Marocelus" nas Canárias
Também aparecem representadas as ilhas míticas de "Insulle Sa Brandani siue puelan" (Ilhas de S. Brandão) aproximadamente na mesma posição do arquipélago da Madeira; "Diculi" (Daculi - Ilha dos Caranguejos) a noroeste da Irlanda e "Brezile" (Ilha Brazil) a oeste do Sul da Irlanda.




No chamado "Libro del Conoscimiento" datado de 1345, manuscrito anónimo atribuído a um frade sevilhano, que teria acompanhado expedições portuguesas às Canárias realizadas por volta de 1340-1345, no reinado de D. Afonso IV, são descritas diversas ilhas incluindo as ilhas do arquipélago das Canárias, da Madeira e também dos Açores

"(…) Llegamos a la primera isla que dizen gresa e apres della es la isla de lançarote (…) bezimarin (…) rachan (…) alegrança (…) uegimar (…) forte ventura (…) canária (…) tenerife (…) del infierno (…) gomera (…) de lo ferro (…) aragauia (…) saluage [Ilhas Selvagens, no arquipélado da Madeira] (…) la isla desierta [Ilhas Desertas, idem] (…) lectame [Madeira] (…) puerto santo [Porto Santo] (…) la isla del lobo [Ilha do Lobo ou do Ovo, atual Santa Maria], y a otra isla de las cabras [Ilha de São Miguel], y a otra isla del brasil [Ilha Terceira], y a outra la columbaria [Ilha do Pico], y la otra la isla de la ventura [Ilha do Faial], y la otra isla de sant Jorge [Ilha de São Jorge], e la otra la isla de los conejos, y la otra isla de cuervos marinos [Ilha das Flores]."



Mediceu Laurenziano
Portulano  Mediceu Laurenziano de 1351
(Foto daqui)

O Portulano Mediceo Laurenziano de 1351 (Biblioteca Medicea Laurenziana),  de autor genovês ou florentino assinala oito ilhas dos Açores mas com orientação Norte/Sul:
“Insulae Cabrera” (Santa Maria e São Miguel), “Insulae Brasi” (Terceira), “Insulae Ventura Sive de Columbis” (ilhas do Faial, Pico e São Jorge), e “Insulae Corvis Marinis” (ilhas das Flores e Corvo).
A ilha Graciosa aparenta estar em falta.
Continuam a figurar as ilhas miticas de "Mayda" e "Brazil".








Abraão Cresques
Atlas Catalão de 1375
(III e IV folhas)
(Foto daqui)

Atlas Catalão de 1375 (Bibliothèque Nationale de France) composto por vários portulanos sem data nem autoria, é atribuído ao cartógrafo judeu da "Escola de Maiorca", Abraão Cresques e a seu filho  Jehuda Cresques. 

Considerado a obra prima da "escola de Maiorca", representa de uma forma muito completa o conhecimento geográfico do fim da Idade Média, incluindo a Ásia e a China. É o primeiro mapa onde aparece representada a rosa dos ventos e é rico em belíssimas iluminuras.

Neste mapa estão representadas seis ilhas dos Açores com direcção norte/sul.

A mítica "insula Brazile" aparece representada duas vezes: no litoral da Irlanda e a sul do grupo dos Açores.






Pormenor do Atlas catalão de 1375 
onde se podem ver as:"Ilhas Afortunadas" (Canárias), 
o arquipélago da Madeira e algumas ilhas do 
arquipélago dos Açores.(Foto de The Cresques project)

Corbitis
Atlas Corbitis de 1384
(folha IV)
(foto daqui)



Atlas Corbitis datado de 1384 (Biblioteca Nacional Marciana de Veneza) atribuído a um cartógrafo veneziano anónimo, é composto por quatro portulanos.

Estão assinaladas as ilhas Canárias, o arquipélago da Madeira e 8 ilhas no arquipélago dos Açores

As ilhas açorianas estão na  direcção norte/sul e são:
y de corui marini (Corvo), liconigi (Flores), sco zorzi (São Jorge), y la uentura (Faial), li colonbi (Pico), y de brazil (Terceira), caprara (São Miguel) and louo (Santa Maria).









Descoberta do Arquipélago da Madeira 


Após ter eventualmente participado na tomada de Ceuta em 1415,  João Gonçalves Zarco, cavaleiro e navegador português, foi incumbido pelo  Infante D. Henrique de patrulhar a costa sul de Portugal e explorar a costa de África em busca de ilhas que já apareciam nos mapas. 
Em 1418,  acompanhado por Tristão Vaz Teixeira, chegam a uma ilha que baptizam de "Porto Santo".
Regressam a Portugal e falam ao Infante das ilhas que lhes pareceu de "grande proveito de se povoar".
Em 1419, retornam a Porto Santo desta vez acompanhados de Bartolomeu Perestrelo e "redescobrem" a ilha da Madeira.


Descoberta do Arquipélago dos Açores 


Ao longo da costa de África até ao cabo Bojador, dominam os ventos e as correntes marítimas no sentido Norte/sul. De volta a Portugal, os mareantes deparavam-se com uma viagem difícil e demorada.
Após várias viagens que tinham por função, além da descoberta de novas ilhas, o estudo dos ventos e das marés, os portugueses na viagem de regresso a casa, afastavam-se da costa até apanharem uma região de ventos variáveis. Por esta altura, os navegadores calculavam as léguas que tinha de navegar no sentido sul/norte para atingirem aproximadamente o paralelo da capital do reino, através de medições da altura da Estrela Polar.

É pois aceitável que o navegador português Diogo de Silves(?) no retorno de uma viagem à Madeira, tenha descoberto em 1427 as ilhas do arquipélago dos Açores. Esta teoria baseia-se na legenda do portulano de Gabriel Valseca datado de 1439.

Gabriel Valseca
Portulano de Gabriel Valseca  (1439)
da Biblioteca da Catalunha

No portulano de 1439 de Gabriel de Valseca uma legenda sobre o arquipélago dos Açores diz:

"Aquestes isles foram trobades p diego de ??? pelot del rey de portugal an lay MCCCCXX?II" 
"Estas ilhas foram achadas por Diogo de Silves (ou Sunis? ) piloto de El-Rei de Portugal no ano de 1427".





Pormenor do Portulano de Gabriel Valseca 
com a legenda referente às ilhas açorianas

Gonçalo Velho a mando do Infante D. Henrique, parte para ocidente em busca de ilhas ou terra firme que constavam nos mapas.
Em 1431, avista os ilhéus das Formigas e, desgostoso de não achar senão ilhéus regressou ao Algarve a dar a nova ao Infante.

Gaspar Frutuoso escreve:
"Pelas informações e notícia que o Infante D. Henrique tinha destas ilhas dos Açores, (…),  no ano do Senhor de mil e quatrocentos e trinta e um, reinando em Portugal El-Rei D. João(...) tendo o dito Infante em sua casa um nobre fidalgo e esforçado cavaleiro, chamado Frei Gonçalo Velho das Pias, comendador do castelo de Almourol, (...) o mandou descobrir destas ilhas dos Açores a ilha de Santa Maria, (…); o qual, aparelhando o navio com as coisas necessárias para sua viagem, partiu no dito ano da vila de Sagres e, navegando com próspero vento para o Ocidente, depois de passados alguns dias de navegação, teve vista de uns penedos que estão sobre o mar e se vêem da ilha de Santa Maria, e de uns marulhos que fazem outros que estão ali perto, debaixo do mar, chamados agora todos Formigas (…)
Vindo a estas Formigas Frei Gonçalo Velho no novo descobrimento (…), não achando ilha frutuosa e fresca, senão estéreis e feios penedos, e, em lugar de terras altas e seguras, vendo somente baixas pedras, tão baixas e perigosas, cuidando e suspeitando ele e os da sua companhia que o Infante seu senhor se enganara, julgando aquela pobre penedia por uma rica ilha, não entendendo todos eles com esta suspeita que havia mais que descobrir, se tornaram desgostosos ao Algarve, donde partiram, sem mais ver outra coisa que terra parecesse, e dando esta nova ao Infante D. Henrique, juntamente dizendo seu parecer, que não havia por este mar outras terras senão aquelas duras pedras que nele somente acharam."Saudades da Terra", Livro III, capitulo I.

Em 1432 regressa novamente por ordem do Infante e descobre a ilha de Santa Maria.

(…) determinou provar outra vez aventura e aventurar o pouco que gastava pelo muito que disso esperava cobrar; e, como foi tempo disposto para o descobrimento, no ano seguinte tornou, com rogos e com promessas(como alguns dizem), a mandar o mesmo Frei Gonçalo Velho a descobrir o que dantes não achara, dando-lhe por regimento que passasse avante das Formigas. O qual Gonçalo Velho,tornando a fazer esta viagem, como lhe era mandado, vindo com próspero tempo, querendo Deus já fazer esta tão alta mercê ao Infante e a ele, houve vista da ilha em dia da Assunção de Nossa Senhora, quinze dias de Agosto do ano do Senhor(…) 1432, que é o ano em que se achou a ilha de Santa Maria.(…) Com grande contentamento de Gonçalo Velho e de sua companhia foi celebrado aquele dia da Assunção de Nossa Senhora com duas alegres festas, uma por entrar a Senhora no Céu a gozar dos bens da glória, outra por entrarem eles naquela ilha nova a lograr os frutos da terra.(...)"Saudades da Terra", Livro III, capitulo II.

Logo imediatamente foram descobertas as outras ilhas do grupo oriental e central.

E, indo outra vez ao Reino, o tornou o dito Infante a mandar descobrir esta ilha de São Miguel, (...) o qual, obedecendo aos mandados e rogos do Infante, alcançou de Deus achá-la,(...) e fez-lhe o Infante mercê da capitania dela, juntamente com a da ilha de Santa Maria, ficando Capitão de ambas, mas, por ser, então, mais povoada a de Santa Maria, que primeiro fora achada, residia o mais do tempo nela e lá morava.
(...) vindo o dito Frei Gonçalo Velho a esta empresa mandado do dito Infante,descobriu primeiro a ilha Terceira, e depois a de São Jorge e a Graciosa, com que o Infante lhe ficou mais afeiçoado, (...)"Saudades da Terra", Livro III, capitulo XII.


 Em 1439, numa carta régia a Gonçalo Velho, D. Pedro I diz:
"Dom Afonso, etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que o infante D. Henrique, meu tio, nos enviou dizer que ele mandara lançar ovelhas nas sete ilhas dos Açores e que, se nos aprouvesse, que as mandaria povoar. E porque a nós isso apraz, lhe damos lugar e licença que as mande povoar. (...)
o que deixa concluir que as sete ilhas do grupo central e oriental já tinham sido descobertas.


Diogo Gomes em “Relações do Descobrimento da Guiné e das ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde. c. 1500.” relata: 

«Em certo tempo, o Infante D. Henrique, desejando conhecer as regiões afastadas do Oceano Occidental, se acaso haveria ilhas ou terra firme além da descrição de Tolomeu, enviou caravelas para procurar terras. Foram e viram terra a occidente além do cabo de Finisterrae umas trezentas léguas, e viram que eram ilhas, entraram na primeira, acharam-na deshabitada e, percorrendo-a acharam muitos açores e muitas aves;e foram á segunda, que ora é chamada Ilha de S. Miguel, igualmente despovoada, tendo também muitas aves e açores, onde, além d'isto, encontraram muitas aguas quentes naturaes, s. de enxofre. D'ahi viram outra ilha, agora chamada Ilha Terceyra, que era assim como a ilha de S. Miguel cheia de arvoredos, aves e muitos açores. E descobriram ali perto outra ilha, agora chamada Ilha do Fayal. E imediatamente outra ilha a duas leguas da ilha do Fayal, agora chamada ilha do Pico; (...) Os navios voltaram a Portugal annunciando esta noticia ao senhor D. Henrique, o qual se alegrou muito.»


Em 1452, o capitão Diogo de Teive, de regresso à ilha Terceira de uma viagem de exploração para ocidente, descobre as ilhas das Flores e do Corvo


No testamento do Infante D. Henrique, datado de 28 de Outubro de 1460, lê-se: 

«… Estas são as igrejas e capelas que eu… estabeleci e ordenei para sempre em reverência e louvor de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Virgem Santa Maria sua Mãe, minha senhora…
item ordenei e estabeleci a igreja de são Luís, (actual ilha do Faial)
e a igreja de S. Diniz na Ilha de S. Diniz; (actual ilha do Pico) 
e a igreja de São Jorge, na ilha de São Jorge; 
e a igreja de São Thomaz, na ilha de S. Thomaz; (actual ilha das Flores)
e a igreja de Santa Eiria na Ilha de Santa Eiria; (actual ilha do Corvo)
item ordenei e estabeleci a igreja de Jesus Cristo na ilha de Jesus Cristo; (actual ilha Terceira)
e outra igreja na Ilha Graciosa; 
item ordenei e estabeleci a igreja de São Miguel na ilha de São Miguel, e a de Santa Maria na ilha de Santa Maria».



Jorge Aguiar
1492, Carta de marear de Jorge Aguiar
 
a carta portuguesa mais antiga, assinada e datada, que se conhece
(Foto daqui)
Luís Teixeira 1584
1584, Açores insulae. Mapa pelo cosmógrafo real Luís Teixeira
(foto daqui)



Fontes:

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